Ter o título de mais controvertido e polêmico filme de todos os tempos não é para qualquer um… E é isso que diferencia Cannibal Holocaust de todas as suas imitações, e faz dele um dos mais fortes, violentos e assustadores filmes de horror de todos os tempos, ou the ultimate horror movie (o filme de horror definitivo), como a propaganda anunciava. É um horror que não vem de monstros ou fantasmas, mas de seres humanos, como eu e você…
O cinema italiano era classificado em fases, muitas vezes referentes a sucessos do cinema americano. Digo era porque infelizmente o cinemão classe B made in Italy acabou-se em meados dos anos 90, provavelmente pelo monopólio dos blockbusters americanos. Com isso, realizadores como Ruggero Deodato (diretor deste Cannibal Holocaust), Lucio Fulci, Lamberto Bava, Enzo G. Castellari, Bruno Mattei e Dario Argento foram obrigados a dirigir ridículas produções e séries diretamente para a TV.
Mas antes eles lançavam de dois a três filmes por ano, sempre calcados no que se fazia em solo americano. O sucesso de Dawn of the Dead, de George A. Romero, por exemplo, detonou o ciclo italiano de zumbis, com clássicos como o Zombie, de Lucio Fulci, e inúmeras tranqueiras para todos os gostos. Mad Max originou o ciclo pós-apocalíptico, gerando pérolas italianas como Guerreiros do Futuro, de Enzo G. Castellari. Já o sucesso de Rambo fez com que os italianos imitassem em filmes como a trilogia Thunder, de Fabrizio de Angelis.
Cannibal Holocaust pertence ao ciclo de canibais, iniciado em meio aos anos 70 e que se encerrou no começo dos anos 80.
Entre as pérolas desta época apareceram O Último Mundo Canibal, também de Ruggero Deodato, A Montanha dos Canibais, de Sergio Martino, e Cannibal Ferox, de Umberto Lenzi. Era fácil fazer produções do gênero porque elas tinham produção baratíssima e sempre davam lucro, mesmo que fosse para ver seres humanos sendo comidos por outros seres humanos. Estes filmes eram lançados numa época em que o canibalismo era um tema frequente na mídia graças ao famoso acidente aéreo nos Andes, que obrigou alguns sobreviventes a comerem carne humana para se salvar. E para fazer um filme de canibalismo era muito fácil: era só ficar um mês, até menos, com uma pequena equipe no meio da selva, recrutando nativos como figurantes e alguns atores sem vergonha de nudez para o papel de vítimas. Flagrantes da vida natural ou cenas retiradas de documentários, mostrando animais se devorando ou índios matando bichos diversos, eram coladas grosseiramente na montagem para garantir cenas de violência baratas e de efeito repulsivo garantido, já que eram reais.
Consta, inclusive, que os cineastas malucos brigavam para ver quem fazia o filme de canibais mais chocante e violento de todos. A obra definitiva é, certamente, Cannibal Holocaust.
Diferente do que fez em O Último Mundo Canibal, o diretor Deodato tem aqui uma história impressionante e super criativa. Se você fizesse o espectador crer que tudo que ele está vendo é real, o filme não ficaria muito mais arrepiante? Pois foi justamente o que o roteirista Gianfranco Clerici fez: inventou a história de quatro jovens cineastas americanos que se embrenham na Floresta Amazônia para fazer um shockumentary, ou seja, um documentário feito para chocar, com cenas repulsivas. Para isso, pretendem filmar tribos canibais que supostamente ainda existem na Amazônia. Mas eles desaparecem. Um ano depois, uma segunda expedição entra no Inferno Verde e encontra restos do equipamento destruído e os rolos de filme intactos, que são levados de volta à civilização e mostram o derradeiro e violento destino dos quatro jovens.
A ideia é tão boa que vinte anos depois deu origem ao sucesso do cinema americano A Bruxa de Blair. Enquanto este é totalmente filmado pelos próprios jovens-vítimas, Cannibal Holocaust começa como um filme normal, e só no final são mostradas as imagens captadas pelos próprios personagens. Outra diferença brutal é que A Bruxa de Blair investe no medo do escuro, dos ruídos e barulhos noturnos. Já em Cannibal Holocaust não tem meio termo: é pauleira pura, com muito sangue, mutilações e as doses mais insuportáveis de violência, física e psicológica, contra seres humanos e animais, já mostradas pelo cinema.
O filme é tão forte e seus efeitos tão realistas que, na época do seu lançamento, ele foi retirado de cartaz e o diretor Deodato teve que se explicar às autoridades. Eles acreditavam que Cannibal Holocaust era um snuff movie, ou seja, um filme onde os atores são mortos de verdade em frente às câmeras. As cenas de assassinato são tão reais, principalmente a impressionante sequência de empalamento (uma nativa é atravessada do ânus à boca por uma estaca de madeira), que qualquer pessoa facilmente impressionável acredita que as pessoas estão morrendo de verdade. Colabora, ainda, a impressionante atuação do elenco amador, que parece estar sofrendo e sentindo medo mesmo… Deodato foi acusado de drogar e assassinar os atores em frente às câmeras, tendo que provar que o elenco estava vivo e bem.
Na verdade, como A Bruxa de Blair, Cannibal Holocaust é uma farsa. Muito bem feita, por sinal, com cenas de mutilações que um médico-legista poderia até dizer que são verdadeiras. Mas os atores que interpretam os cineastas vítimas dos canibais realmente estão vivos e bem, mas não fizeram mais filmes depois deste. A exceção é Perry Pirkanen, que apareceu ainda em Cannibal Ferox. Os outros três simplesmente sumiram do mapa, o que certamente contribuiu para muita gente acreditar que eles tinham morrido mesmo no filme!
O diretor Deodato também teve que explicar as sequências reais de animais sendo mortos. Uma cena em particular é chocante, por mais insensível que o espectador seja: os jovens, com a ajuda do guia Felipe, tiram do rio uma enorme tartaruga. Logo, divertem-se barbarizando o bicho: primeiro cortam sua cabeça, depois arrebentam seu casco a machadadas e arrancam suas entranhas. Perto dali, a cabeça decepada observa a tudo, com os olhos ainda se mexendo. De tremer nas bases!
A história começa explicando que os quatro jovens, Alan, Faye, Mark e Jack, sumiram na selva enquanto faziam o tal documentário, juntamente com seu guia Felipe. O professor Harold Monroe (Robert Kerman) resolve seguir os passos dos jovens, e logo no começo enfrenta os terríveis rituais dos canibais, inclusive uma nauseante cena de violência sexual onde uma mulher é penetrada com uma cunha de madeira e depois morta com pauladas na cabeça! Devido a um prisioneiro de uma tribo rival que escolta, Monroe consegue a amizade dos canibais, e descobre então o que aconteceu aos quatro cineastas: eles foram mortos e seus restos ornamentam um ídolo construído com as câmeras e rolos de filme.
Ele consegue voltar à civilização com os rolos de filme, que são revelados, mostrando a brutal realidade: na verdade, os cineastas abusaram dos nativos na busca de um documentário chocante, fazendo barbaridades como queimar uma aldeia inteira e ainda estuprar uma jovem nativa. Para piorar, o próprio quarteto matou o guia Felipe, ao cortar sua perna a facadas depois que ele foi picado por uma cobra! Assim, as vítimas de quem temos tanta pena no começo do filme se tornam os vilões da história!
Mas nem isso ajuda o espectador a torcer pelos canibais nas cenas finais, quando os índios atacam os jovens. As cenas são filmadas sempre com a câmera tremendo, como se estivessem sendo feitas de verdade por pessoas atacadas pelos índios. Eles são aprisionados e sofrem as mais bárbaras torturas – castração, decapitação, morte a pauladas – até que a câmera cai e se quebra (à la Bruxa de Blair), fazendo uma última tomada do rosto ensanguentado de Alan, o líder da expedição.
Terminada a projeção das tétricas cenas, o professor Monroe pede que o filme seja queimado. Mas, como explicam os letreiros finais, os rolos de filme foram vendidos a uma pequena produtora cinematográfica, o que originou Cannibal Holocaust. Claro que como tudo é convincente, muita gente acreditou nesta excelente jogada de marketing.
O trailer deste filme é uma das coisas mais horripilantes que há para se ver, com frases como Os homens que você vê sendo comidos vivos são os mesmos que filmaram estas imagens, ou Não feche os olhos, veja! Eles são homens, homens como você, ou ainda É melhor morrer sobre o corpo morno de um amigo do que cair no chão frio! Brrrrr…
Do começo ao fim, Cannibal Holocaust é violentíssimo, e certamente não é um filme para todos os tipos de público. Mas é um clássico, um dos melhores filmes de horror já feitos, com uma música espetacular de Riz Ortolani, que passa toda a dramaticidade das situações.
Curiosamente, Lamberto Bava, que depois faria a série Demons, foi diretor de segunda unidade no filme, trabalhando como assistente de Deodato; Ruggero, por sinal, ganhou o apelido de Monsieur Cannibal, que lhe acompanharia pelo resto da vida!
Fonte:Boca do Inferno
Nenhum comentário:
Postar um comentário