Lado A
"Estou apenas de passagem por Kirlian, a caminho para visitar uma amiga.
Nós íamos viajar juntas mas nós tivemos uma discussão, ela saiu sozinha e sofreu um acidente a caminho de casa.
Acho que eu tive sorte, ela não.
Eu odeio dirigir à noite, mais foi tudo tão rápido entre me informarem e eu sair em busca dela.
A moto apareceu alguns metros antes da bifurcação, foi tão de repente que precisei manobrar para não nos matarmos.
A manobra me fez pegar uma estrada diferente, mas só percebi quando já era tarde demais.
Um dos caras na moto, o que estava sentado atrás, me olhou bem nos olhos quando eles me passaram.
Os olhos eram verdes e brilhantes.
Eu pensei que eles iam me fechar, me roubar, mas apenas seguiram em frente.
O carro começou a falhar alguns quilômetros depois.
Consegui chegar a um posto de gasolina e liguei para o hospital onde levaram minha amiga, mas não tinham novidades.
Uma garota aqui da região que trabalha no posto, eu acho, me disse que tinha uns amigos donos de uma oficina mecânica e os avisou que eu estava parada lá.
Eles explicaram o problema do carro, e me disseram que ficaria pronto amanhã de manhã.
Eles até me deram uma carona até o centro até a pousada onde estou agora... Esperando por eles para seguir caminho.
Eles também me disseram: "Não se atreva a cruzar a praça de noite..."
Tenho certeza que conhece esta pousada.
Fica em frente a uma pequena praça com um playground muito mal iluminada.
E não quero ser mal interpretada: eu moro numa cidade muito maior e perigosa do que Kirlian e não sinto medo ao andar sozinha à noite. Mas lá estavam eles, os caras da moto, com uma gangue na pracinha.
Eles ainda estão lá até agora.
É assim que essa gente vive: dormem o dia todo, festejam a noite toda. Acham que nunca envelhecerão e, acima de tudo, acham que nunca vão morrer.
Gritaram umas barbaridades quando eu passei por eles, mas continuei andando como se não os tivesse escutado.
O negócio é nunca mostrar que você está com medo.
Saí da minha casa com tanta pressa que nem sequer levei uma mala, então a primeira coisa que fiz foi lavar o terno que eu estava vestindo e deito na cama para esperar, mas não consegui dormir.
Eu ficava pensando em sair e pegar carona, e parar de perder tempo aqui como uma idiota, mas a estrada estava deserta de noite.
Então senti aquele cheiro forte e amargo vindo do quintalzinho onde pendurei minhas roupas, e vi a fumaça invadindo o cômodo.
A fumaça vinha do quintal do quarto do lado, então pedi da melhor maneira que pude para o velho que lá vivia apagar o que fosse aquilo antes que a roupa ficasse com cheiro de fumaça.
Ele disse que não apagaria que precisava ficar acessa por que a fumaça espantava os insetos sugadores de sangue. Eu insisti. Mas não teve jeito.
Comecei a trabalhar aos 15 anos para sair de casa, e agora estou prestes a ser promovida na... Não importa, numa grande empresa. Cheguei aonde cheguei por conta própria, porque nunca deixei ninguém me dizer o que posso ou tenho que fazer, especialmente porque acredito que se preciso que algo seja feito, tenho que fazer eu mesma, foi por isso que usei um balde de água para apagar o que quer que estivesse acesso no quintal do velho.
À meia-noite, no hospital, ainda não tinham notícias.
Eu peguei no sono e sonhei que estava na traseira daqueles homens de moto, e o que estava pilotando me disse: Vamos voltar por onde você veio. Não tem mais nada adiante...
Eu acordei com o som de gritos e golpes vindo do quarto do velho. Era a voz dele mas tambem havia outros ...
' Parem, por favor. Não fiz nada a vocês.
Sou só um pobre velho.
Você? Um pobre velho?
Sabemos que foi você que tentou envenenar a praça!
Eu juro que não fui eu!
E a fumaça, e todas essas merda aí no quintal?
Esqueceu de acender esta noite? '
As vozes dos caras da praça.
Eles estavam falando sobre a fumaça que eu havia apagado e, de repente, a voz do velho foi interrompida.
Eu pensei que eles iam pular o muro e entrar no meu quarto, mas também não os escutei mais.
Eu saí do quarto para olhar, fui em direção a porta do velho quando ouvi uma voz.
Essa voz era diferente das que ouvi antes com o velho. Mas tinha algo familiar.
Ele me perguntou o que eu estava fazendo lá, mas não lá no corredor, em Kirlian. Disse que estava de viajem, ela então me disse para voltar ao quarto, dormir e seguir viajem logo de manhã. Para eu não sair mais pois está a escuro e era perigoso.
Quando eu cruzei com eles na estrada pela primeira vez, pensei que seus olhos estavam brilhando e assumi que era porque quase batemos.
Agora quando eu vi que os pés dela não tocavam o chão, não tive dúvidas do que estava acontecendo.
Depois disso, dormi novamente quase a noite inteira, até que me ligaram pra avisar que a Carla tinha morrido.
Ao mesmo tempo, os caras da pracinha começaram a gritar de novo na rua.
Mas agora também havia outra voz que eu também reconheci.
A garota do posto de gasolina:
'Faz muito tempo que não vem por aqui. O que foi? Está com medo de nós?
Me solta, filho da puta!
Uma estaca de madeira? O que pensa que somos? '
No criado-mudo do meu quarto havia um cartão com esse número de telefone.
Diz "em caso de emergência", mas não estou falando com a polícia, né?"
Policiais não trabalham a noite em Kirlian.
"Quero saber como eles podem pensar que não envelhecerão ou morrer, ou que as pessoas que amam não morrerão.
Por favor, eu não quero morrer."
E como você vai evitar isso?
A linha cai, a pessoa do outro lado desligou.
Esta é A Frequência Kirlian, a noite toda em todas as noites.
Nossa próxima música é dedicada à nossa visitante noturna. Espero que ela entenda o que está acontecendo antes que seja tarde demais.
Enquanto a música toca, a jovem sai da pousada, a estaca de madeira rola em sua direção...
"Ei, largue ela."
'Te falei para não sair.'
"Se a deixarem ir embora, poderão ficar comigo no lugar."
'Ou podemos ficar com as duas e pronto.'
"Você me perguntou o que faço em Kirlian.
Estou aqui por sua culpa. Sua e dessa moto de merda.
Se não fosse por vocês, eu teria chegado a tempo de estar com a Carla. Vocês me devem isso."
'Tire-a daqui e não faça nada com ela.
E você porque quer morrer?'
"Eu não quero morrer, eu quero ser como vocês. E não morrer nunca.
Quero ser um... "Vampiro", e não morrer nunca, e não pensar nunca mais nela, e nem na dor...
Sei que podem fazer isso, eu vi... nos filmes.
Só preciso que um de vocês me mordam ou que eu beba o seu sangue e..."
'Feche os olhos.'
"Por favor, eu também não quero morrer."
'Sinto muito, mais você vai morrer. Todos nós vamos morrer.
Porque esse é o mundo real, e os vampiros não existem.'
"Meu deus..."
Ela então olhou bem e viu o motivo dos olhos verdes. Não era um olho, eram vários. A outra mulher começou a se transformar, criando outros braços e asas.
Todos eles se transformaram em um tipo de inseto...
A mulher percebendo que estava perdida começou a chorar, porém suas roupas exalaram um cheiro, o cheiro da fumaça do quintal do velho, que espantou os insetos.
"Está impregnando a minha única roupa..."
Recebemos notícias de nossos amigos da Polícia Rodoviária sobre um Citroën 3CV que acaba de sair de Kirlian a pouco tempo indo atrás de um local desconhecido.
Desejo a quem viaja nele que tenha uma vida longa e feliz, e que nunca mais se atreva a voltar para nossa cidade.
Evidentemente ela, a sorte, se é que era, permanece intacta.
E para o resto de vocês, aproveitem o sol o máximo que puderem. Teremos noites longas em breve, e com elas, problemas.
Está amanhecendo em Kirlian e isso significa duas coisas.
Primeiro, vocês podem baixar a guarda, os monstros estão prontos para desaparecer.
Segundo a transmissão desta noite está chegando ao fim.
Este é o seu lucutor favorito dizendo: Bom dia e bons sonhos.
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