segunda-feira, 2 de março de 2020

O Sonho de Todo Dentista

"Vocês estão aqui" disse o homem de preto "porque são dentistas".

O homem de preto estava em pé em um quarto claro em frente a dez homens - dez dentistas em um semi-circulo.
Eles não olhavam um para o outro. Eles estavam focados no homem de preto.

"De todas as áreas médicas" continuou o homem, "dentistas tem o maior índice de suicídio"

Os homens não se moviam. Seus olhos estavam fixos no homem que falava com eles.

"Eu os convidei para vir aqui hoje para falar sobre..." O homem de preto parou. Ele olhou para seus pés e os mecheu um pouco. Então ele olhou para frente novamente. "Eu os trouxe aqui para falar, do sonho".

Alguns dos homens ficaram inquietos. Um descruzou a perna. Eles olharam uns para os outros. Eles pareciam confusos e com medo, questionando o homem de preto.

O homem de preto cruzou os braços e olhou para cada um. Ele esperou.

Finalmente, um dos dentistas falou. "Você é um dentista?"

"Não" disse o homem de preto.

"Então porque deveríamos falar com você? não vai fazer bem nenhum"

"Você não entenderia," disse outro dentista se movendo em sua cadeira.

"Você não entenderia a menos que seja um dentista," disse outro.

"Você não pode entender" corrigiu outro dentista.

"E mesmo que entendesse nosso sonho," disse outro, "Você não entenderia, não de verdade"

O homem de preto ouviu a todos. Ele balançava a cabeça enquanto eles falavam. Os dentistas olhavam pra ele com um olhar minucioso. O homem então suspirou e limpou a garganta. "Como eu disse, eu trouxe vocês aqui para falar sobre o sonho." Ele colocou a mão no seu bolso preto e puxou vários envelopes. Ele abriu um e mostrou aos dentistas em suas cadeiras. " Cada um desses envelopes contém R$ 500.000,00 em dinheiro. Cada um de vocês vai receber um envelope se concordarem em me contar sobre o sonho."



"Porque você liga?" Perguntou um dentista. "Esse dinheiro é seu? Você é um farmacêutico? Vai dar uma pílula pra gente?" Alguns dos dentistas estavam desconfortáveis. " O que tem nisso pra você? Porque deveríamos..."

"Independente das minhas razões," interrompeu o homem de preto, "Eu tenho muito dinheiro para cada um de vocês se vocês me disserem o sonho."

Os dentistas sentaram em silêncio. Então eles começaram a falar quase a mesma coisa.

"Você não entenderia"

"Você não poderia entender"

"Não, você não conseguiria entender"

O quarto ficou em silêncio novamente. O homem estava parado em frente dos dentistas, eles todos sentados de braços cruzados em frente dele. Finalmente, um deles falou.

"Dane-se" ele disse se levantando. " Eu vou falar pra ele."

"Não vai importar," disse outro dentista. "Ele não vai entender. Ninguém entende, a menos que você seja um dentista. E ele já nos disse que não é."

"E o que nós temos a perder ?" O outro respondeu. "Eu vou dizer a ele o sonho, vamos pegar nosso dinheiro, e vamos embora."

Exceto por algumas cabeças que concordaram, o quarto continuou em silêncio.

"Então," disse o dentista, "Esse é o sonho..."

"Com licença," disse o homem de preto colocando sua mão para cima, "Antes que você comece, vou pedir para que isso seja gravado." O homem de preto bateu as mãos duas vezes. Uma porta se abriu no canto de trás e um jovem rapaz entrou, empurrando um tipo de máquina de escrever em uma cadeira com rodinhas barulhentas.

"Esse é o senhor Crumbs," sorriu o homem enquanto o rapaz se aproximava. "Ele guarda o que for gravado," ele disse. "Aquilo," disse o homem apontando para a máquina na cadeira, "é um estenógrafo. O Sr.Crumbs vai anotar tudo."

O jovem foi chegando devagar até a frente do semi-circulo. O homem de preto pegou o estenógrafo da cadeira e o Sr.Crumbs se sentou. Ele colocou o estenógrafo com suas grandes teclas de ferro nas pernas do jovem. Ele se mecheu um pouco para ficar confortável, então olhou para o homem de preto aguardando.

"Certo," sorriu o homem de preto. "Se estiverem prontos, podemos começar."

O dentista então se levantou, respirou e falou. "O sonho tem haver com a quantidade de buracos na cabeça de uma pessoa." Ele começou.

Um dos dentistas suspirava alto, como se tivesse ouvido a história milhares de vezes. "Ele não vai entender," ele disse.

"Deixe-o tentar," disse outro.

O primeiro dentista continuou. "Todas as pessoas tem sete buracos na cabeça: dois nos ouvidos," ele disse apontando para as orelhas, "dois olhos, duas entradas no nariz e uma boca," ele disse. "Sete"

O Sr.Crumbs começou a digitar em silêncio em seu estenógrafo.

"É um sonho horrível, para falar a verdade." Ele continuou. "O sonho conta com uma linha que vai pra dentro e pra fora desses diferentes buracos. E é sempre a mesma coisa."

O dentista levandou a mão e colocou seus dedos juntos como se tentasse encaixar algo. "Eu estou parado sob um paciente com uma agulha e uma linha. E eu tenho um impulso enorme de... de..." O dentista revirava o rosto como se não quisesse contar a parte seguinte, mas ele fez. "Eu tenho um impulso enorme de colocar essa agulha e essa linha por esses sete buracos. Eu coloco a ponta em uma orelha, e tem que sair por outro buraco... vamos dizer a boca. Então tem que entrar em outro buraco e sair por outro, e entrar em outro, e sair por outro até o último." o dentista parou. "Estou certo até agora pessoal?"

"Certo." Disse um dentista.

"Está sim." Disse outro.

"Mas," continuou o homem, "porque há sete buracos na cabeça, duas orelhas, dois olhos, duas narinas, uma boca, a agulha e o fio sempre acabam por dentro. . . na cabeça. É dentro e fora, dentro e fora, dentro e fora e dentro." "E isso é um problema?" perguntou o homem de preto.

"Viu?" Alguém disse, "Ele não entende."

"É um problema enorme", continuou o dentista. "Há algo no sonho. . . uma aura ou. . . uma entidade, uma compulsão - chame como quiser - que exige: O que entra. . . deve sair. Então, lá estou eu, curvado sobre um homem, costurando um fio através dele como se ele fosse um peru empalhado." Ele torceu o rosto novamente como se soubesse que tinha dito algo desagradável.

"É difícil capturar em palavras", interrompeu um dos outros dentistas. "Mas o sonho é muito claro e há uma sensação muito real de algum tipo de. . . necessidade. Pego a agulha e o fio e devo entrar por um dos orifícios da cabeça e sair por outro. Até que estejam todos usados. E toda vez,"  continuou ele, cerrando os dentes, "Essa agulha acaba por dentro. Então eu puxo e o paciente está gritando e começo de novo e estou com os cotovelos cheios de sangue e..."

"Você pode imaginar", outro dentista interrompeu. "É horrível."

"E, é claro, faz todo o sentido quando estamos acordados," disse outro, "que a agulha e a linha sempre acabem no interior do crânio, mas fazemos isso repetidamente porque é um sonho. Entrando e saindo, entrando e saindo, entrando e saindo e entrando. O paciente grita e você tem que puxar a agulha e a linha, e você está com os cotovelos cheios de sangue, e porque é um sonho, você apenas começa de novo. E de novo. E de novo..."

“O que entra. . . deve sair." sussurrou um dos dentistas.

"Dentro e fora, dentro e fora, dentro e fora e dentro..." disse outro

O homem de preto ouviu atentamente. Assentindo. O Sr. Crumb ficou sentado em silêncio - gravando cada palavra.

"Então," disse outro dentista, "nós acordamos depois de uma noite inteira de agulhas e enfiamentos e vamos trabalhar e há um paciente na cadeira e a única coisa em nossa mente é esse sonho e, depois de um tempo, é realmente difícil determinar o que é um sonho e o que não é. "

"É por isso que às vezes perfuramos tanto," disse outro. "Pensamos que, se eu puder fazer outro buraco naquele dente, nessa cabeça, então talvez, apenas talvez, eu possa sonhar com um paciente com outro buraco na cabeça, e talvez a agulha saia!"

"E talvez o sonho pare," disse outro.

"E," disse outro dentista relutantemente, "é definitivamente porque alguns de nós colocam uma arma em nossas próprias bocas e apertam o gatilho". Ele olhou ao redor da sala. Ninguém olhou para ele quando ele terminou. "É uma coisa ruim de se dizer, mas esse buraco na nossa cabeça é a única maneira de terminar o sonho".

O homem de preto ouviu.

O quarto ficou em silêncio.

"Então podemos dormir," disse um deles.

"Sim," alguém exalou. "Dormir."

"Esse é o sonho," disse um dos dentistas. Ele olhou para o homem de preto. "Nós apenas queremos dormir."

Nesse momento, o homem de preto levantou-se da cadeira e se aproximou do jovem Sr.Crumb, que estava gravando todas as palavras no estenógrafo. Ele ficou diretamente atrás dele, então os dois encararam o semicírculo de dentistas. Ele colocou as mãos nos ombros dele. Ele parou de digitar.

Eu gostaria que todos vocês se levantassem e se aproximassem do Sr. Crumb - disse o homem de preto. "Vamos lá, Venham em frente.

Os dentistas se levantaram. Eles se aproximaram do Sr. Crumb e do homem de preto. Ele olhou para o topo da cabeça dele e disse: Crumbs, quero que você mostre a essas pessoas a sua... característica única."

Crumb ergueu lentamente o queixo e inclinou a cabeça para trás até ficar com os olhos virados para o homem que estava acima dele. Ele gentilmente colocou as mãos ao redor do queixo dele e aconchegou o topo da cabeça dele com os antebraços no estômago. O homem de preto olhou para um dos dentistas.

"Venha aqui," ele disse gentilmente. "Venha ver."

Um dentista se aproximou e olhou para o rosto do jovem estenógrafo. Ele ofegou. "O que é isso?" ele perguntou. Ele se aproximou ainda mais, a apenas um metro do rosto de Crumb. Ele apertou os olhos e se atrapalhou com as palavras: “Como? . . . Por quê? . . . Como isso aconteceu?" Ele levantou um dedo apontando para o rosto do rapaz. "Isso é impossível!"

O homem de preto olhou para o resto dos dentistas: "Olhe atentamente," disse ele, "todos vocês."

Crumb permaneceu nos braços do homem, olhando para o teto. Quando eles avançaram, ele retomou a digitação - registrando os dentistas, um a um, até todos testemunharem por si mesmos o milagre do Sr. Crumb.

"Ele não tem boca", disse um deles.

"É apenas uma linha," disse outro, apontando com o dedo mindinho. "Apenas uma linha falsa."

"Ele tem seis buracos na cabeça," disse outro com um meio sorriso.

"Sem boca!" todos falaram. "Sem boca!" eles aplaudiram.

"Dentro e fora, dentro e fora, dentro e fora!" disse um, juntando os dedos com uma agulha e linha imaginárias. "Dentro e fora," sua mão desceu e subiu, "dentro e fora, dentro e fora!"

"Isso significa..." disse outro.

Outro terminou sua frase: "O que entra, deve sair! Dentro e fora. Dentro e fora. Dentro e fora!!!" Os dentistas aplaudiram. Eles sorriram, de olhos arregalados, deram um tapinha nas costas e olharam para o homem de preto.

O homem de preto soltou gentilmente o Sr. Crumb de suas mãos, e ele obedientemente continuou a registrar cada afirmação, cada observação, enquanto os dentistas andavam em volta da cadeira, contando os buracos em seus ouvidos, olhos, narinas. Alguns contaram os buracos com os dedos. Outros com suas próprias agulhas imaginárias - mergulhando e puxando fios imaginários no ar enquanto caminhavam ao seu redor.

Alguns ficaram emocionados.

"Ele não tem um buraco extra," disse um. "Ele tem um a menos! Faz sentido!"

O homem de preto chamou a atenção de todos. Todos olharam para ele. "Ele foi criado para vocês," sorriu o homem de preto. "Para que vocês possam dormir."

"Obrigado," eles choraram para o homem de preto.

Cada um deles, por sua vez, curvou-se ao lado de Crumb. "Obrigado, Sr. Crumb," disseram sinceramente. "Obrigado por existir," disseram eles. "Obrigado por nos ajudar a dormir!"

"Estou pronto para distribuir alguns envelopes," disse o homem de preto, enfiando a mão no paletó e pegando os envelopes. "Mas primeiro," disse ele, puxando uma agulha e um longo pedaço de linha preta do bolso do casaco, "Vamos garantir que funciona."

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